Pé no chão, siga em frente...
18:48
Era começo
de março quando minha vida resolveu mudar.
Meus pais
acabaram se separando, uma discussão boba e de repente eles já não estavam mais
se falando. Achei que fosse algo passageiro como as brigas bobas que eles
costumavam ter, mas dessa vez foi pra valer. Cheguei da escola e encontrei
mamãe com as malas feitas, todas as nossas coisas estavam encaixotadas, fiquei
assustada e ela logo explicou o que havia acontecido, mas não em detalhes,
disse apenas que precisávamos ir.
Não consegui
me despedir de meu pai, muito menos dos meus amigos. Foi uma decisão repentina
e sem aviso, eu até poderia protestar e bater o pé me negando a ir, mas havia
algo no rosto de minha mãe que me fazia acreditar que aquilo era o certo a
fazer. Sei que papai ficaria triste ao perceber que não voltaríamos mais. Nunca
mais, foi o que mamãe disse ao fechar a porta da velha casa pela última vez.
A nova
cidade em que fomos morar não era grande coisa, na verdade era uma cidade
pequena comparada ao meu velho lar. Nos ajeitamos na casa de minha avó, ela nos
recebeu bem apesar de minha mãe dizer que era provisório, só até arrumar um
emprego e conseguir um lugar para ficar.
Arrumei
algumas coisas no pequeno quarto em que ficaria durante esse período. Enquanto
isso tive a ideia de ligar para o papai, ele devia estar preocupado e muito
triste. Telefonei uma, duas, três vezes e nada. Ninguém atendeu. Foi então que
ouvi a conversa de mamãe com minha avó.
-Ele tinha
outra e não estou falando de uma amante qualquer, ela estava esperando um filho
dele.
Vi minha mãe
chorar na mesa e ser acolhida por minha avó. Então era por isso que estávamos
ali. Meu pai nos trocou. Traiu minha mãe. Comecei a chorar, mas eram lagrimas
de raiva que escorriam por meu rosto, eu não conseguia acreditar que papai
fosse capaz de fazer isso com a gente.
Mas a vida
segue e nós devemos seguir junto com ela.
Dia 26 de
março foi meu primeiro dia na nova escola, eu já sabia que não seria fácil me
enturmar. Todos ali eram bem diferentes de mim e dos meus velhos amigos que
deixei para trás. Eu tinha 17 anos, estava no último ano do colegial e normalmente
as panelinhas já estão todas formadas e não há espaço para intrusos como eu.
As garotas
dessa nova escola não costumam usar o uniforme de forma adequada, na verdade
todas elas customizaram as roupas no próprio estilo. Também não foram muito amigáveis
comigo. Muitas ficaram cochichando e olhando para mim enquanto riam
disfarçadamente. Nunca fiz o tipo que parte para briga, sempre esteve estampado
na minha testa o quão covarde eu era para esse tipo de coisa. Eu preferia me
manter em silêncio e guardar todas as dores para mim. Talvez seja por isso que
elas estejam rindo, sabem que sou apenas um bichinho indefeso.
Meu primeiro
dia como previ foi terrível, me fez ter vontade de voltar correndo para minha
velha cidade e meus velhos amigos. Mas eu sabia que era algo impossível. Então
nos dias que seguiram tratei de não me importar com os cochichos muito menos
com a solidão, sabia que mamãe estava fazendo um esforço enorme para nos manter
e não queria decepciona-la com minhas crises de adolescente. Além disso, eu
tinha que cuidar do meu futuro. Quando aquele ano terminasse eu iria ingressar
na verdadeira realidade da vida, trabalho, faculdade, não haveria espaço para
me importar com as fofocas de corredor, até porque a essa altura já teria dito
adeus aos corredores e salas de aula.
Por isso
tudo resolvi me concentrar unicamente nos estudos, os amigos vieram aos poucos,
quando comecei a participar do grupo de estudos e do clube de leitura da
escola. Foi nesse momento que muitos começaram a me enxergar e se aproximar
mais de mim. As garotas de uniforme customizado continuaram a falar mal, mas
agora eu não estava mais sozinha para me importar.
O ano estava
chegando ao fim e eu não largava dos livros, o vestibular estava cada vez mais
próximo e mamãe já tinha juntado dinheiro suficiente para o aluguel de uma
casa. Parecia que estava dando tudo certo, era só continuar no mesmo ritmo e
tudo sairia bem.
Correria das
provas finais, vestibular e mudança para a nova casa. Pequena, mas já valia
apena. No último dia no colégio tratei de agradecer a todos que me apoiaram
naquela jornada, abracei os poucos amigos e lhes desejei sorte. Gostava de seus
sorrisos. Fui surpreendida quando as garotas de uniforme customizado vieram
falar comigo, não me desejaram sorte nem perguntaram como eu estava, não se
desculparam e nem tentaram puxar um assunto qualquer, desejaram apenas um bom
final de ano. Era a primeira e última vez que falariam comigo, não guardaria
ressentimentos.
O último
sinal tocou seguido dos gritos dos veteranos que se despediam dos corredores e
das salas de aula. Agora eu estava a um passo de começar uma vida lá fora. Sem
um pai que se importasse, mas com uma mãe que me amava e me apoiava em tudo. Eu
não tinha tudo, mas com o pouco conseguiria fazer muito.
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